A busca pela inovação tecnológica é uma jornada cheia de desafios e incertezas, exigindo investimentos significativos por parte das empresas. Entretanto, nem sempre esses recursos estão prontamente disponíveis e os riscos associados são os grandes obstáculos para as empresas inovarem. Além disso, esses investimentos nem sempre correspondem aos objetivos e expectativas iniciais, resultando em descontentamento e frustração com o retorno do valor investido e sensação de arrependimento em relação ao investimento realizado.
No entanto, como destacado por Schumpeter, a falta de inovação pode resultar no declínio e até mesmo na extinção de uma empresa. Portanto, a ausência de iniciativas inovadoras e de empreendedorismo não afeta apenas a própria empresa, mas também impacta negativamente no crescimento do país e, em última instância, na sociedade como um todo.
Uma das soluções para esse problema é o uso de incentivos fiscais, por meio do qual a empresa compartilha esses riscos com o Estado. A Lei do Bem, como é conhecida a Lei nº 11.196/2005, é o principal instrumento de política industrial brasileira para incentivar os investimentos privados em inovação tecnológica.
Diferentemente da Lei de Informática (Lei nº 8248/1991), utilizada somente por fabricantes de bens de informática, a Lei do Bem pode ser usada por empresas de qualquer setor, desde que atendam alguns requisitos como operar no regime tributário de Lucro Real, estar em dia com o Fisco e investir em projetos de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I). Oferece como benefício de 60% a 100% de exclusão adicional dos investimentos em PD&I da base de cálculo do lucro líquido, o que representa uma dedução de 20,4% a 34% no IRPJ e CSLL.
Porém, como ocorre em toda legislação, a Lei do Bem tem suas limitações e, consequentemente, é passível de aprimoramentos, como os propostos pelos projetos de lei PL 2838/2020, de autoria do Senador Izalci Lucas (PSDB-DF), e do PL 4944/20, da Deputada Federal Luísa Canziani (PTB-PR), cujos objetivos são aperfeiçoar os aspectos da Lei e permitir maior efetividade dos incentivos fiscais para PD&I.
O aperfeiçoamento da lei começa pela simplificação da apuração do benefício. Por exemplo, ao invés de exclusão de 60% dos dispêndios em PD&I para reduzir a base de cálculo do IRPJ e CSLL, resultando em uma redução de 20,4% do IRPJ e CSLL, a proposta é que 20,4% dos valores despendidos em PD&I sejam deduzidos diretamente dos impostos devidos, o que corresponde ao impacto real do incentivo atual. Representantes do setor produtivo são unânimes em destacar que o incentivo da Lei do Bem seria mais claro e geraria mais segurança jurídica se, ao invés de exclusão da base de cálculo, houvesse desoneração direta de um percentual da CSLL e do IRPJ.
Um dos pontos críticos com relação ao uso dos incentivos fiscais estabelecidos pela Lei, é que a empresa deve ter lucro para poder usar os incentivos fiscais. O principal benefício da Lei é usar os investimentos em pesquisa e desenvolvimento para redução do lucro líquido que a empresa obteve no ano calendário e assim deduzir a carga tributária, pagando menos IRPJ e CSLL. No entanto, é comum que durante o período de investimento em projetos de inovação tecnológica as empresas vejam seus lucros diminuírem ou desaparecerem. Ora, se a empresa não obtiver lucro no ano não há como se beneficiar desta redução, o que torna esse benefício ineficaz. Uma das propostas mais esperadas é a possibilidade de que o excedente do percentual dos investimentos em PD&I excluído do lucro líquido das empresas possa ser aproveitado nos anos subsequentes.
Além disso, as propostas de atualização da lei visam ampliar o alcance dos benefícios da Lei expandindo seu uso para as microempresas e empresas de pequeno porte. Pela lei em vigor, essas empresas, mesmo que adotem o regime do lucro real, estão proibidas de se beneficiar da Lei do Bem. Pela nova redação proposta, as importâncias transferidas não só para microempresas e empresas de pequeno porte, mas também para startups, poderão ser deduzidas como despesas operacionais.
Existe também a questão do artigo 19-A da lei em vigor, que se refere às parcerias entre empresas e Institutos de Ciência e Tecnologia (ICT). A redação atual diz que projetos de PD&I em parceria com ICTs poderiam gerar benefícios de 50% do investimento realizado, indo até 2,5 vezes deste valor. No entanto, os projetos apresentados pela ICT deveriam ser previamente aprovados por um comitê permanente de acompanhamento de ações de pesquisa científica e tecnológica e de inovação tecnológica, constituído por representantes do MCTI. Na prática isso nunca funcionou. Ou seja, a relação entre empresa e ICTs é um ponto que também precisa ser revisto e colocado em funcionamento para favorecer a participação de ICTs nos projetos de PD&I.
Também é proposta a possibilidade de dedução de um percentual do IRPJ e CSLL do valor aportado pelas empresas em startups e Fundo de Investimentos e Participações (FIP), demonstrando um movimento claro para o incentivo à inovação aberta para complementar a inovação dentro da empresa.
Concluindo, os dois projetos de lei estão em tramitação em suas respectivas casas. No Senado, o PL 2838/2020 passou pela Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação e Informática (CCT), comissão permanente do Senado Federal, em agosto/2023, incorporando as propostas do PL 4.944/2020 e aprovada com substitutivos. Agora, aguarda a realização de uma audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) para discussão dos impactos da ampliação da Lei. Na Câmara dos deputados, o PL 4944/20 aguarda a designação de relator no Plenário.
A Lei do Bem não teve atualizações significativas desde a sua publicação, em 2005, e as mudanças propostas são bem vindas. Havia uma expectativa de que em 2023 essas mudanças já teriam sido aprovadas pelo Congresso, porém não houve nenhuma novidade. É certo que a Reforma Tributária também pode impactar nos incentivos fiscais, mas é extremamente necessário que a Lei do Bem seja mantida, aprimorada e que aumente sua capilaridade, engajando, cada vez mais, as empresas brasileiras para praticar a inovação tecnológica no país.
Referências
[1] Capitalismo, socialismo e democracia. Joseph Schumpeter.
[2] Projeto permite compensação de investimento tecnológico ao longo dos anos. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/700613-projeto-permite-compensacao-de-investimento-tecnologico-ao-longo-dos-anos/. Acessado em 25.Jan.2024
[3] Senado e MCTI sinalizam mudanças na Lei do Bem. Disponível em: https://valor.globo.com/patrocinado/dino/noticia/2023/08/04/senado-e-mcti-sinalizam-mudancas-na-lei-do-bem.ghtml. Acessado em 25.Jan.2024
[4] Aprovada ampliação de benefícios fiscais para empresas que investem em pesquisa. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/08/30/aprovada-ampliacao-de-beneficios-fiscais-para-empresas-que-investem-em-pesquisa#:~:text=O%20projeto%20altera%20a%20chamada,melhoria%20dos%20processos%20de%20fabrica%C3%A7%C3%A3o. Acessado em 10.Fev.24
[5] Senado vai debater em 2024 mudanças na “Lei do Bem”. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2024/01/16/senado-vai-debater-em-2024-mudancas-na-201clei-do-bem201d. Acessado em 17.Jan.24
[6] Diário do Senado Federal n° 150 de 2023. Páginas 670-687. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/diarios/ver/113493?sequencia=670. Acessado em 14.Fev.24
[7] A Reforma Tributária e seu impacto na Lei do Bem. Disponível em: https://abes.com.br/a-reforma-tributaria-e-seu-impacto-na-lei-do-bem/. Acessado em: 08.Fev.24